Políticas de embargo à imprensa

Políticas de embargo à imprensa

0 3569

Nossos clientes ficam decepcionados quando são proibidos ou desencorajados a divulgarem o resultado de suas pesquisas para a imprensa leiga, antes da publicação do artigo científico. Realmente, para quem trabalha para o bem comum, a maior divulgação possível de um novo conhecimento é o que se deseja. Não divulgar é decepcionante.

 

Porém o “embargo” que as editoras científicas impõem aos autores tem também sua razão de ser. É importante compreender por que ele existe.

 

O embargo é um período de tempo exigido pelas revistas (os “journals”) científicas entre a publicação do artigo científico e a divulgação pela imprensa leiga. Primeiro, os resultados da pesquisa têm que sair na forma de artigo científico completo. Depois (e o período varia de revista para revista), podem ser divulgados pela imprensa leiga para a população geral.

 

Por que existe o embargo?

 

Primeiro: se por um lado há editoras comprometidas com a divulgação da ciência, e que publicam os artigos de graça para todos, há outras que sobrevivem de assinaturas. Ao perderem a primazia para a imprensa geral, essas editoras perdem “clientes”, veem a imprensa leiga como suas “concorrentes”. Da mesma maneira como um jornalista vê outro jornalista, de outra revista ou jornal, como seu “concorrente” em busca do “furo” de jornalismo.

 

Segundo: o autor assina sempre um termo de transmissão de direito autoral (em inglês, “copyright transfer”, ou “direito de copiar”, direito de publicar) para a revista científica. Estaria, portanto, rompendo um acordo ao divulgar para o público leigo primeiro os resultados científicos que a revista científica revisou, aprovou e montou para publicação. Assim, romper o acordo pode resultar em sanções judiciais por parte da revista científica.

 

Terceiro: as grandes revistas científicas das grandes editoras têm departamentos de divulgação que cuidam de enviar aos jornalistas os resultados mais contundentes que estão sendo publicados. Em press-releases oficiais, elas enviam, alguns dias antes da publicação, uma explicação completa sobre o trabalho científico, dando tempo para que os jornalistas compreendam os dados e entrem em contato caso seja necessário. O JAMA, por exemplo, envia esses releases uma semana antes da publicação. Isso permite que não haja erros por parte dos jornalistas quanto à compreensão das descobertas científicas. Em troca dessa assistência, o jornalista tem de concordar em manter o “off” (ou seja, manter segredo) sobre a pesquisa até que a revista científica publique o “paper”. Quando um jornalista tenta “passar na frente”, dar um “furo de reportagem”, divulgando os resultados de um trabalho científico que ainda não foi publicado, corre o risco de escrever mal. Pela pressa, ao compreender mal um dado científico ou seu significado para a sociedade, o jornalista pode atropelar a ciência e se juntar ao time dos maus divulgadores. O tempo de embargo é útil para o estudo.

 

Quarto: O embargo também permite que os pares do pesquisador possam receber primeiro os resultados dos colegas, antes do público leigo. Assim, se um químico tem oportunidade de ler um manuscrito recém-publicado numa revista técnica-científica, pode depois dar uma entrevista aos jornalistas sobre os resultados do colega com maior conhecimento e segurança sobre o que foi feito. Se, por outro lado, um médico fica sabendo de um resultado importante em saúde pública pela imprensa, e não pela revista científica, não pode responder bem a seu paciente, que o enche de perguntas sobre aquele novo tratamento, o novo exame. Ele precisa de tempo para analisar melhor o material antes de ser chamado a se pronunciar.

 

O embargo não impede o pesquisador de falar sobre seus achados para seus pares, por exemplo, em congressos ou reuniões científicas fechadas para cientistas. Porém, deve sempre se lembrar que podem haver jornalistas leigos na platéia, tentando “pescar” novidades que nem sempre podem compreender bem. Partindo do princípio de que o artigo que ainda não foi publicado ainda não teve um completo processo de revisão por pares (peer-review), ainda não foi aprovado para publicação, isso pode ser perigoso. Antes da publicação oficial, qualquer resultado é preliminar.

 

O embargo não impede que o cientista avise autoridades a respeito de seus achados, antes da publicação (por exemplo, avisar sobre uma alta taxa de efeitos colaterais de um medicamento, que compromete sua segurança). Também não impede que o cientista amplie a divulgação de seu trabalho para um número grande de outros cientistas: para isso existem as revistas open-acess, que publicam o artigo completo de graça na internet, sem necessidade de assinatura prévia. Uma vez publicado o artigo científico na revista, o cientista pode divulgá-lo, enviando o link ou o pdf do artigo para colegas. (Ou mesmo para a imprensa, mas não antes da publicação).

 

Dar entrevista sobre o próprio trabalho, sobre as próprias impressões, opiniões e visão da ciência é direito de todo cientista, a qualquer tempo. Usar a imprensa leiga, aberta, para divulgar resultados (dados) de uma pesquisa específica que está sendo objeto de revisão ou já programada para ser publicada numa revista científica… é rompimento de acordo na maioria dos casos. É bom tomar cuidado.

 

Patricia Logullo
Patricia Logullo é doutora e meta-pesquisadora no Centre for Statistics in Medicine (CSM) na University of Oxford, Reino Unido e medical writer certificada pela International Society of Medical Publication Professionals (ISMPP). Além do Doutorado em Saúde Baseada em Evidências (pela UNIFESP), também é mestre em Ciências da Saúde (pela FMUSP) e Jornalista Científica (pela UNICAMP).

SEM COMENTÁRIOS

Deixe seu comentário