Pílulas de Português!
Pequenas dicas de como usar a nossa língua -- e como não usar!

O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP), elaborado pela Academia Brasileira de Letras (ABL), é uma fonte útil e prática para verificação da grafia correta e da adoção das palavras na língua portuguesa. O VOLP está disponível na internet e é constantemente atualizado pela ABL, inclusive para a incorporação, no português, de palavras que antigamente só eram disponíveis em inglês ou outras línguas. O uso frequente e constante leva ao reconhecimento oficial. Porém, o emprego de palavras estrangeiras em textos em português faz com que precisemos indicar essa “usurpação” marcando as palavras em itálico.

Uma nova seção no VOLP indica especialmente as palavras que foram recentemente adotadas: “Novas Palavras”.

Alguns exemplos:

– home office
– compliance
– coworking
– lockdown
– podcast
– streaming
– umami

Estas são algumas palavras e expressões de outras línguas que a ABL reconhece como estando em uso no Brasil. Isso nos faria pensar que não precisamos mais marcar em itálico em textos em português, porque elas foram oficialmente adotadas, no seu formato original, pelo VOLP. Porém, não é o que recomenda a própria ABL em consulta que direta que realizamos recentemente (em 28/07/2022). A Academia recomenda que essas palavras, mesmo tendo sido reconhecidas, devem continuar a ser grafadas em itálico em textos em português.

Outras palavras que foram “aportuguesadas”, ou seja, têm origem em outras línguas mas foram modificadas para uso em português (portanto, não precisam de itálico):

– empoderamento
– telemedicina
– uberização
– vegano
– webinário
– oligossintomático

Há vocábulos que foram provavelmente baseados em outras palavras da língua portuguesa pela junção de duas outras, mas configuram novas palavras mesmo assim:

– femininicídio
– gerontofobia
– gordofobia
– negacionismo
– neurodiversidade

Consulte a seção de Novas Palavras do VOLP aqui: https://www.academia.org.br/nossa-lingua/sobre-novas-palavras

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Direto do aeroporto, a caminho de São Paulo (na volta da Equator Publication School), escrevi mais uma Pílula de Português.

Tiroide ou tireoide?

Joffre Marcondes de Rezende nos ensina que a palavra pode ser oriunda de dois vocábulos gregos: “thyreoeides”, “no formato de escudo”, ou de “thyreós”, que quer dizer “no formato de uma porta”. Se pensarmos que um escudo pode ter (e, de fato, muitas vezes tinha) formato de porta, a etimologia não nos ajuda muito…! ?

O Caldas Aulete, dicionário português, deriva a tiroide da porta, não do escudo (daí a grafia “tiroide”). Só a partir do século XIX é que passou a aparecer a forma “tireoide” com mais frequência nos livros portugueses, atribuindo a origem ao escudo, não à porta… Isso ficou comum nos livros franceses, e por isso os médicos brasileiros começaram a adotar a forma “tireoide”. Mas, em 1930, a Academia Brasileira de Letras (ABL) aprovou a forma tiroide, sem o e, mesmo sob crítica de médicos ilustres da época. Hoje, a ABL aprova ambas formas. A Nomina Anatomica iniciou escrevendo tireoide. Depois, na década de 1960, mudou para tiroide. Mais recentemente, temos os Decs, da Bireme, nos influenciando a escrever tireoide. Aparentemente, a tendência internacional é aceitar a raiz “da porta” e não “do escudo”, e escrever tiroide. Vai ver que é porque, aqui no Brasil, tendemos a usar mais portas que escudos. Que assim seja!

Resumo da ópera: são aceitas ambas as formas, mas para maior “homogeneidade” com a literatura internacional e para privilegiar o simples e o curto, recomendo o uso de “tiroide” preferencialmente. Usem os dois, mas prefiram tiroide: mais simples, mais curto, mais internacional, mais porta que escudo.

[Rezende, JM. À sombra do plátano. Crônicas de história da medicina. São Paulo: Editora Unifesp, 2009.]

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Tudo depende da origem do nome.

O macaco-rhesus ou simplesmente reso, por exemplo, é uma raça do macaco Macaca mulatta. Portanto, o itálico não é necessário em rhesus (somente no nome da espécie). Encontramos também a grafia com letra maiúscula, por Rhesus ser o nome do rei Rhesus, da Trácia, na mitologia grega. Porém, usando-se o nome popular em português, com hífen, macaco-rhesus ou macaco-reso, não é preciso itálico nem maiúscula.

Wistar é uma cepa de ratos criada no laboratório Wistar Institute. Também não é nome de espécie, portanto não vai em itálico, mas vai em maiúscula por ser o sobrenome do fundador do instituto.

Sprague-Dawley também é uma raça de ratos de laboratório (portanto também sem itálico), criada por pela Sprague-Dawley Company a partir da raça Wistar. Os nomes das empresas (que por sinal são os nomes próprios de seus fundadores) vão em maiúsculas, portanto o nome do rato também. O mesmo ocorre com rato Long-Evans.

Há outras cobaias: hamster vai em minúsculas, mas em itálico (palavra estrangeira).
Então, na dúvida, procure saber de onde vieram os nomes dos bichos (ou não bichos!) sobre os quais vocês estão escrevendo. Até a Wikipedia ajuda nisso!

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“Antes do paciente tomar o medicamento” ou
“Antes de o paciente tomar o medicamento”?

“A suplementação com ácido fólico não diminuiu o risco da gestante ter anemia” ou
“A suplementação com ácido fólico não diminuiu o risco de a gestante ter anemia”?

Aqui vai a resposta:

“De” é uma preposição e “a” ou “o” são artigos. Certo?

Não se faz a contração da preposição com o artigo (“de + a = da”) quando esse artigo é parte do sujeito de uma frase.

Em palavras mais fáceis: se aquele elemento a que se refere o artigo (nos casos acima a mulher, o paciente) fizer uma ação na frase (tomar o medicamento, ter anemia, recrutar, estudar, incluir…), então não podemos contrair “de” com “o” ou com “a”.

Se “o” ou “a” ou “esse” ou “isso” ou “aquele” fizerem alguma coisa, não contraia!

Essas regras são “chatas”, mas precisamos entender.

Alguns exemplos corretos para memorizar:

Apesar de os estudos serem de longo prazo…
Depois de os pacientes terem sido recrutados…
O fato de o cirurgião precisar operar com urgência…
Apesar de aqueles fatores terem influenciado…
Depois de esses estudos terem sido excluídos…

(Por outro lado, ficam contraídos quando não estiverem exercendo ação:
Esses foram os efeitos do estudo.
Regras de gramática filhas da mãe…!)

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Que palavrão, hein? Em tempos de “lava a jato”, estamos mais acostumados com palavrões como “constitucionalmente”…

Voltando ao foco. As palavras proparoxítonas têm a sílaba tônica (aquela em que a gente coloca mais ênfase na hora de falar) na antepenúltima sílaba. Que coisa mais chata! Por que tenho que calcular isso?

Simples: porque há uma regra de ortografia que não muda nunca em português — sai reforma, entra reforma, e ela continua lá. Todas as proparoxítonas, todas mesmo, são acentuadas. Está aí uma regra fácil, que não deixa dúvida. Todas as proparoxítonas levam acento.

Onde? Ora, pois, na sílaba tônica, na sílaba forte. Olhem uma aqui: sílaba! Sílaba é uma proparoxítona, porque nós pronunciamos sííííílaba (e não silááába nem silabááááa!). A última sílaba da palavra sílaba é o “ba”. A penúltima é o “la”. Antes dela vem o “sí”, portanto antepenúltima (três pra cá!), e forte. Tônica.

Aqui vão alguns exemplos de proparoxítonas com as quais vocês se deparam nos seus textos científicos — e que são pegas em flagrante sem acentos com certa frequência, devo dizer. Vejam que nem todas são palavrões enormes e muitas fazem parte do seu dia a dia.

Não se esqueçam dos acentinhos agudos e circunflexos nelas:

– clínico (ensaios clínicos randomizados! Mas não acentuem clinicamente, por favor, porque aqui a tônica está no “men”!)
– químico/química (mas não acentuem quimicamente!)
– acadêmico (academicamente não… entenderam, né?)
– categórico (categoricamente)
– genérico (genericamente)
– empírico (…)
– calórico, hemorrágico, diagnóstico, isotônico, hierárquico, cadavérico (estes não têm mentes)
– dermatológico, etiológico, imunológico e todos os lógicos e lógicas
– bioética, ética, fonética, todas as éticas.
– autossômico, cromossômico, dicotômico e todos os ômicos, ômicas etc.
– mecânica
– hemodiálise (ou só diálise)
– plasmaférese e aférese
– milímetro
– osteófito
– alérgico
– hipótese
– número
– cirúrgico
– espécime
– glóbulo
– exógeno
– fármaco
– transgênero
– parâmetro
– metanálise

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Às vezes não está errado, mas dá para melhorar!

Vejam a diferença:

“Três estudos foram classificados como tendo um baixo risco de viés (ou seja, tinham uma boa qualidade metodológica), um estudo foi classificado como tendo um risco de viés incerto e outros dois como tendo um alto risco de viés (qualidade metodológica ruim).”

Eliminamos todas as ocorrências de palavras “um” e “uma” que não fariam a menor falta no texto. Vejam como fica:

“Três estudos foram classificados como tendo baixo risco de viés (ou seja, tinham boa qualidade metodológica), um estudo foi classificado como tendo risco de viés incerto e outros dois como tendo alto risco de viés (qualidade metodológica ruim).”

Eliminamos quatro “um” e “uma” e o texto ficou mais conciso e fácil de ler. Até porque os únicos numerais que sobraram no texto dizem respeito, de fato, ao número de estudos incluídos. Assim, o leitor não precisa fazer “ginástica mental” para entender se foram “um ou dois baixos riscos de viés” e se foram “um ou dois estudos”… O risco de viés é baixo, sem precisarmos da palavra “um” antes dele!

Faxina nos um/uma!!!

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O que determina o sexo e o que determina o gênero?

A onda do “politicamente correto” tem feito com que vários pesquisadores escrevam frases como: “maior incidência de hipertensão arterial em pessoas do gênero feminino”. Será que o uso do termo está o mais adequado neste caso? Não seria melhor dizer “maior incidência de hipertensão arterial em pessoas do sexo feminino”?

O DSM-V* preconiza o uso das palavras sexo e sexual como se referindo aos indicadores biológicos de masculino ou feminino: órgãos sexuais, genitália, hormônios, cromossomos, todas coisas que indicam o sexo masculino ou feminino. Esses indicadores sexuais são os que predispõem as pessoas a estas ou aquelas doenças, a estes ou aqueles eventos mórbidos.

O termo gênero, por outro lado, é utilizado para denotar o papel público desempenhado (inclusive juridicamente reconhecido) pela pessoa como homem, menino, mulher, menina. Então o gênero é uma designação social, mas o sexo é predito biologicamente.

Em se tratando de doenças ou eventos físicos, como a incidência de fraturas osteoporóticas, de problemas cardiológicos, de anomalias congênitas (ou cromossômicas) que aparecem clinicamente com predominância em um sexo, está claro que o que importa é o sexo biológico e não o o papel desempenhado na sociedade pela pessoa. Assim, nesses casos, é mais adequado o uso do termo “sexo masculino”/“sexo feminino”. A esclerose múltipla, as doenças cardiovasculares, a doença de Alzheimer, o câncer de mama afetam mais pessoas do sexo feminino do que do sexo masculino.

Claro que, em estudos da área social, psicológica/psiquiátrica ou nos estudos em que se está verificando o papel de aspectos sociais no desfecho analisado, aí sim, vale a pena usar o termo “gênero” para se referir às pessoas, quando a diferenciação for relevante. Por exemplo, o gênero feminino é o mais afetado pela violência doméstica (e aqui estão incluídos os transgêneros), e, classicamente, o uso de serviços de saúde é mais frequente entre pessoas do gênero feminino.

Mas quando se estiver avaliando desfechos biológicos, parece razoável usar a palavra “sexo”.

[Claro que existem pessoas que nascem com uma designação sexual (nasceu com genitália do sexo masculino, por exemplo) mas sofrem de disforia de gênero (aqui sim, a designação social do sexo), e por isso fazem tratamentos para mudança de sexo (cirurgias, hormonioterapia etc.). Em textos sobre esses assuntos, provavelmente o uso da palavra gênero seja muito mais adequado.]

Então resumindo:
sexo feminino ou masculino = designação biológica; use este termo preferencialmente;
gênero feminino ou masculino = designação social, comportamental; use este termo somente ao se referir ao papel público da pessoa.

* (Manual Diagnóstico Estatístico de Transtornos Mentais)

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Devemos escrever as abreviaturas dos símbolos de quilo, metro, litro em maiúsculas ou minúsculas?

Minúsculas. 

Duas razões para isso:

1) não existe motivo para maiúsculas, embora algumas editoras insistam em grafar Kg, mL etc. e padronizem seus documentos assim;

2) No Sistema Internacional (SI), essas unidades estão abreviadas em minúsculas (pelo menos até 2018, quando o Sistema será revisado). Vejam em: http://www.bipm.org/en/measurement-units/

(Em tempo: o Bureau International des Poids et Mesures é a organização internacional pela qual os estados membros atuam de forma coordenada para melhorar a ciência e padrão de medidas. O Sistema Internacional de Unidades, ou SI, determina os padrões e bases de seis medidas: o metro, o quilograma, o segundo, o ampere, o kelvin, o mol e a candela. O website deles é bastante interessante e bem organizado e mostra o histórico do estabelecimento e manutenção de cada medida. O quilo, por exemplo, é um protótipo real, um cilindro de platina arquivado pelo Bureau.)

Então:

O paciente pesava 50 kg, a distância percorrida foi de 250 m, havia 2 l de plasma na bolsa.

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Algumas       pessoas adoram    digitar usando um  , dois ou       mais espaços no meio do texto,     às vezesnenhum  , colocando espaços dentro de parênteses (  como se o conteúdo do    pobre   parêntese tivesse uma doença contagiosa   ), ou preferindo usar espaços antes  ,em vez de depois das vírgulas   ! Vejamcomo a   leitura fica prejudicada pelo   uso inadequado   dos espaços  .Até parece que   o   redator sofre de mal de Parkinson   .Isso fica ainda pior nos textos   com dados numéricos  , em que um espaço   ,ponto ou vírgula fazem a     ma ior     diferença :  3 500mg  é o mesmo que trêsmilequinhentos miligramas ou três  vezes  500 mg   ? Que tal escrever 3.500 mg?

Agora vejam como o texto fica mais fácil de ler quando os espaços estão em seus lugares. Um espaço depois do ponto final, nenhum antes. Também nenhum antes da vírgula, ou do ponto e vírgula; mas usem sim um espaço depois dessas pontuações. Um espaço antes da abertura e outro depois do fechamento dos parênteses (mas nenhum espaço na parte de dentro, após a abertura e antes do fechamento). Nunca, nunca usar espaços duplos! Nem triplos! Nunca usar espaço antes do sinal de porcentagem (por exemplo, 50%). Mas usar um espaço entre o número e a o símbolo da unidade de medida de volume ou massa: 3.500 mg, 40 ml. Nunca usar espaços antes e depois de hífens (deve-se fazer assim para separar dois pedaços de palavras), mas usar um espaço antes e outro depois do travessão — o traço mais longo, que serve para isolar trechos de uma frase.

(Vejam como o aspecto da mancha de texto no parágrafo de cima está diferente do aspecto do parágrafo de baixo!)

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Pílula de português. Maioria.

A maioria dos pacientes é, faz, sente, percebe, pergunta.
Os pacientes, na maioria, são, fazem, sentem, percebem, perguntam.

A maioria dos estudos era de péssima qualidade.
Os estudos, na maioria, eram de péssima qualidade.

Embora a maioria dos pacientes consiga controlar a doença, seus familiares, na maioria, ainda sofrerão com o fardo de cuidar deles.

A maioria é. No singular. Sempre. Mas as pessoas, na maioria, erram.

Percebem a diferença?

Os erros, na maioria, acontecem. Porque não ficamos, na maioria, atentos ao sujeito da frase.

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