A paranoia pré-tese e a ressaca pós-tese

A paranoia pré-tese e a ressaca pós-tese

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Em duas décadas ajudando pesquisadores a publicar seus estudos científicos, percebemos um fenômeno psicológico curioso: a evolução da paranoia pré-tese para a ressaca pós-tese. Funciona mais ou menos como as fases do luto já identificadas pelos psicólogos.

 

Fase de estudo: o pós-graduando passa dois a quatro anos estudando exaustivamente o assunto. Procura e examina a literatura, discute com o orientador, com especialistas, encontra obstáculos teóricos e práticos (choque?). Enfrenta-os e encontra outros. Contorna-os, ignora-os (negação?), encara-os (raiva?), mas segue adiante. Geralmente, deixa para a última hora (negociação?) o principal: escrever a tese.

 

Fase da paranoia pré-tese: como deixou a redação para a última hora, o pós-graduando descobre que tem uma avassaladora quantidade de conhecimento armazenada… no cérebro. Proveniente de dados distribuídos em alguns hard drives, muitos pen drives, blocos de notas, papéis presos a pranchetas… Mesmo apertado pelo prazo, começa a escrever em ritmo moroso. (Depressão?) E fica, naturalmente, paranoico sobre se está esquecendo de alguma coisa. Isso geralmente se deve ao fato de não ter planejado antes os capítulos e subcapítulos da tese. O pós-graduando, na maioria das vezes, acha que um lampejo de inspiração irá salvá-lo, e as ideias passarão para o papel como um processo de “download”, automático. Baixou tudo?

 

Fase da ressaca pós-tese: salvo por um bom orientador, colega ou revisor, que conseguiu colocar ordem na sua bagunça mental, o pós-graduando escreveu (aceitação?), imprimiu, encadernou e entregou a tese. No dia marcado, enfrentou a banca e provou que sabe, sim, sobre o assunto. Mas agora, que o trabalho foi corrigido e aprovado, precisa ganhar o mundo, ser publicado. E é justamente a hora em que surge a ressaca pós-tese. Como no dia após a noite de bebedeira, o pós-graduando está cansado. Com a vista turva. Intolerante. Não pode mais ouvir sobre o assunto do estudo, que dirá falar ou escrever sobre ele.

O pós-graduando então enfrenta um novo ciclo psicológico: de choque (sim, tem que publicar para conseguir o diploma), negação (pensa na possibilidade de não publicar), raiva (tem que publicar em inglês, sim!), negociação (tem que publicar na revista escolhida pelo orientador ou em qualquer uma?), depressão (após a segunda ou terceira recusa do trabalho)… e finalmente aceitação (de que o trabalho precisa ser publicado, com qualidade, numa boa revista, portanto precisa ser produzido o quanto antes). Haja café!

 

A melhor maneira de evitar a ressaca da bebedeira é tomar muita água, comer antes de beber e… ser prudente, não exagerar no álcool, claro.

Receita da Palavra Impressa para evitar a ressaca pós-tese:

 

1) planejar a redação da publicação exigida pela universidade ao mesmo tempo em que planeja a redação da tese, com previsão de todos os seus subcapítulos, na ordem correta, e escrever esse planejamento;

2) redigir a publicação antes da defesa da tese; e

3) solicitar a revisão da tese e da publicação antes da defesa. Isso faz com que a sensação de paranoia, de insegurança antes da defesa diminua, assim como a ressaca depois da defesa.

 

Uma publicação nunca está pronta: sempre achamos que podemos melhorar alguma coisa. Mas, pelo menos, tomados esses cuidados, a paranoia vai ser bem menor.

Patricia Logullo
Patricia Logullo é doutora e meta-pesquisadora no Centre for Statistics in Medicine (CSM) na University of Oxford, Reino Unido e medical writer certificada pela International Society of Medical Publication Professionals (ISMPP). Além do Doutorado em Saúde Baseada em Evidências (pela UNIFESP), também é mestre em Ciências da Saúde (pela FMUSP) e Jornalista Científica (pela UNICAMP).

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