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Patricia Logullo

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Patricia Logullo é doutora e meta-pesquisadora no Centre for Statistics in Medicine (CSM) na University of Oxford, Reino Unido e medical writer certificada pela International Society of Medical Publication Professionals (ISMPP). Além do Doutorado em Saúde Baseada em Evidências (pela UNIFESP), também é mestre em Ciências da Saúde (pela FMUSP) e Jornalista Científica (pela UNICAMP).

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Naquela amostra de pacientes, quantos eram brancos? Quantos eram “negros” ou “pardos” ou “orientais”? E por que nos preocupamos em coletar esses dados e reportá-los?

Os conceitos de raça e de etnia vêm evoluindo na pesquisa científica internacional, especialmente depois do advento do projeto Genoma, em que o conceito de raça foi abolido do ponto de vista biológico em humanos. Grupos com diferenças ditas “raciais” não são geneticamente diferenciados: 99,9% do DNA humano é igual para todos. As características físicas que diferenciam “raças” resultam de um número minúsculo de genes que não têm a ver com comportamento ou susceptibilidade a doença.

No entanto, ainda são publicados, todos os dias, artigos na área médica — e na área ortopédica — falando em “pacientes brancos”, “caucasóides”, “orientais” ou “afro-americanos”, misturando raça com etnia, misturando muitos grupos étnicos num mesmo termo (japoneses, mongóis, coreanos, chineses são todos “orientais” ou “amarelos”?) e misturando também razões biológicas (por exemplo, maior incidência de hipertensão entre negros) com razões sócio-econômicas (maior propensão a ter baixo poder aquisitivo e uma dieta inadequada entre negros). A expectativa de vida de um imigrante, por exemplo, pode ser menor que a de um cidadão nativo de um país simplesmente pelo fato de ele ser um migrante, e não por pertencer a uma dada raça ou etnia. Assim, enquanto raça e etnia são freqüentemente usados como “marcadores” ou “indicadores” de outras características sociais (incluindo o acesso a cuidados em saúde), perpetua-se o uso inadequado desses termos.

No Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) definiu, nos últimos censos, que o indivíduo se auto-declare como sendo da raça branca, preta, parda, amarela ou indígena. Também nos Estados Unidos, o indivíduo é questionando sobre suas origens, sendo que pode marcar mais de uma. Essa prática de auto-declaração é considerada mais adequada do que a categorização do indivíduo pelo pesquisador. Ainda assim, muitas diferentes origens (como de vários países europeus ou asiáticos) podem precisar ser agrupadas ao fim da análise estatística nas pesquisas biomédicas, mesmo que o questionário traga perguntas abertas a respeito de raça e etnia. No Brasil, isso é ainda mais relevante: como categorizar (inclusive para fim estatístico) um paciente filho de judeu casado com japonesa? Ou filho de chinês casado com italiano? Como “branco”?

Perguntar a raça apenas como um reflexo automático (“já que estamos na frente do paciente, vamos aproveitar”…) pode se revelar uma perda de tempo, cientificamente falando, se nenhuma questão clínica estiver claramente relacionada com essa característica do paciente. O fato de que se tem disponível o dado “raça” num banco de dados pode não ser razão suficiente para cruzar essa informação com os desfechos clínicos de interesse ¾ e com muita frequência esse cruzamento se revela infrutífero em termos de relevância clínica. Se a raça está sendo usada como um marcador para outra variável mais difícil de medir (como “acesso a transporte”), deve-se justificar claramente essa escolha. Afinal, perguntar diretamente sobre a renda, acesso a educação ou ao hospital pode ser mais proveitoso do que pressupor que, numa dada localidade, “não-brancos” são maltratados (num bairro como o da Liberdade, em São Paulo, a categoria “não-branco” incluiria japoneses? Chineses? Coreanos?…).

Se a raça ou etnia é usada para investigar dados epidemiológicos, há que se considerar se os termos usados descrevem as pessoas conforme sua raça e etnia realmente ou conforme o lugar onde vivem. Por exemplo: a incidência de câncer do estômago entre japoneses vivendo no Japão é maior do que a dos japoneses vivendo nos Estados Unidos. Assim, para as variáveis ligadas ao tema “câncer e hábitos dietéticos”, o que importa não é a origem étnica somente, mas a localização geográfica e as influências do local nos hábitos do indivíduo. Em ortopedia, talvez altura e peso tenham maior relevância do que a pigmentação da pele. Exercício e transporte público podem ser cruciais para o tratamento de doenças articulares, por exemplo, mais do que a origem étnica. E a percepção a respeito de saúde e doença talvez importe mais para a avaliação da dor e qualidade de vida do que os olhos puxados do japonês que suporta essa dor.

Algumas orientações, entretanto, já são consenso entre os editores e muitos pesquisadores e podem ser úteis na hora de planejar o projeto de pesquisa e de redigi-lo:

– a escolha de termos “anti-racistas” pode ser contraproducente: nem todo negro é “afro-americano”, nem muito menos “afro-norte-americano”. Muitos negros têm origem caribenha, mesmo que seus antepassados tenham tido origem africana. E muitos negros vivendo no Brasil pode, sim, ter origem direta (pai, avô) africana, e de diferentes nações, cultural e socialmente definidas, africanas. “Negro” ou “preto” ou “de cor” indicam cor da pele, não raça nem etnia. E “o quanto” negro é outra questão vaga, pois pode-se agrupar, num mesmo resultado clínico, negros, mulatos (claros e escuros), “pardos” e até brancos que pensam ser negros por terem pais negros ou mulatos…  

– cuidado com o uso dos termos “raça” e “etnia” como definidores de variáveis: se o autor do trabalho descreve claramente como coletou o dado, a interpretação dos resultados fica mais transparente. “Raça” já não faz mais sentido geneticamente, enquanto “origem étnica” pode ser um dado mais sensível para diferenciar grupos, posto que traz componentes culturais e sociais, incluindo dieta, hábitos sexuais e de fumo. “Raça” mostra pessoas que “se parecem” ou não visualmente, enquanto “origem étnica” revela a herança cultural, social e até genética do indivíduo (judeus asquenazes e sefaradis são todos judeus, e “brancos”, mas com diferentes incidências para certas doenças genéticas, por exemplo, por outro lado a China é um dos países em que mais se fuma no mundo, mas chineses e japoneses têm sido colocados na mesma “sacola” de “amarelos” nos estudos, embora tenham hábitos tabagistas diferentes…).

– descrever os critérios para coleta do dado: deve-se informar no manuscrito se o paciente foi questionado quanto à sua origem ou se o pesquisador fez essa classificação ao olhar para ele; e quando o sujeito foi questionado, se a pergunta foi aberta, para que ele respondesse como bem quisesse, ou se lhe foram dadas alternativas fechadas, e quais foram elas (afinal, “hispânico” pode não fazer sentido para um brasileiro, assim como “mulato” pode não ser uma alternativa para um chileno).

– descrever as razões para o estudo desse dado: em dermatologia, o nível de pigmentação da pele pode ser crucial na definição de algumas doenças. Mas em ortopedia, por que anotar a cor da pele? Qual a hipótese em que se baseia o estudo dessa variável? Há evidência científica de boa qualidade mostrando que a cor está relacionada com esta ou aquela afecção ou resposta a tratamento? No que a raça ou mesmo a etnia podem ser relevantes para o estudo? Definir isso no projeto de pesquisa e, mais adiante, na redação do manuscrito, é muito importante para a correta interpretação dos resultados. Esta é uma recomendação do Comitê Internacional de Editores de Revistas Biomédicas (ICMJE): “Quando os autores usam variáveis como raça ou etnia, devem definir como mediram essas variáveis e justificar sua relevância”.

 

Para ler mais:

Winker MA. Measuring race and ethnicity: why and how? Jama 2004;292:1612-4. Disponível em:

http://jama.ama-assn.org/cgi/content/full/292/13/1612. Acessado em 18/03/2009.

World Association of Medical Editors. Race and ethnicity: how do we describe people? Disponível em: http://www.wame.org/wame-listserve-discussions/race-and-ethnicity-how-to-we-describe-people. Acessado em 18/03/2009.

Bhopal R, Rankin J. Concepts and terminology in ethnicity, race and health: be aware of the ongoing debate. BDJ 1999;186:483-4. Dsponível em:

http://www.nature.com/bdj/journal/v186/n10/full/4800147a.html. Acessado em 18/03/2009.

Canadian Medical Association Journal. Scientific reporting of ethnicity, age, sex and race. CMAJ 2000:162:1393. Disponível em:

http://www.cmaj.ca/cgi/content/full/162/10/1393. Acessado em 18/03/2009.

Carter-Pokras O, Baquet CR, Poppell CF. Re: “Four-year review of the use of race and ethnicity in epidemiologic and public health research”. Am J Epidemiol. 2004 Aug 15;160(4):403-4. Disponível em:

http://aje.oxfordjournals.org/cgi/content/full/160/4/403. Acessado em 18/03/2009.

Crespo CJ, Smit E, Andersen RE, Carter-Pokras O, Ainsworth BE. Race/ethnicity, social class and their relation to physical inactivity during leisure time: results from the Third National Health and Nutrition Examination

Survey, 1988-1994. Am J Prev Med. 2000 Jan;18(1):46-53.

Hui ACF, Wong SM. Race and ethnicity in medical research. Hong Kong Med J 2003;9:312. Disponível em: http://www.hkmj.org/article_pdfs/hkm0308p312.pdf. Acessado em 18/03/2009.

Pfeffer N. Theories of race, ethnicity and culture. BMJ 1998; 317(7169):1381-4. Disponível em: http://findarticles.com/p/articles/mi_m0999/

is_1998_Nov_14/ai_53340590. Acessado em 18/03/2009.

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Várias revistas científicas em ortopedia têm, atualmente, exigido que os autores indiquem qual o nível de evidência dos trabalhos no momento da submissão para publicação. Essa categorização facilita o trabalho de revisão e também ajuda o editor a tomar decisões: obviamente que os trabalhos com melhor nível de evidência são preferidos.

Quanto mais alta a classificação, melhor a qualidade da evidência científica que o estudo provê, ou seja, mais adequadas respostas aos questionamentos clínicos ele é capaz de fornecer. Os estudos clínicos randomizados e as metanálises (revisões sistemáticas com estudo estatístico) estão no topo da lista, com nível I de evidência. Os outros estudos inspiram, aprimoram metodologia e abrem caminho para a realização dos melhores.

Abaixo segue uma tabela de classificação de níveis de evidência em estudos utilizada por revistas da área de ortopedia. É um importante, claro e prático material de consulta tanto para quem já está em vias de publicação quanto para quem está desenhando seu projeto de pesquisa: por vezes, a simples adição de um detalhe (um grupo controle, um aumento da taxa de acompanhamento ( follow-up ) dos pacientes, pode fazer um estudo saltar de uma para outra classificação — e ter mais chances de publicação.

 

Estudos terapêuticos

Investigando o resultado de tratamentos

Estudos prognósticos

Investigando o efeito de uma característica do paciente na evolução da doença

Estudos diagnósticos

Investigando um teste diagnóstico

Análise de decisão e economia

Desenvolvendo um modelo econômico ou de decisão

Nível I

•  Estudo clínico randomizado de alta qualidade, com diferenças significativas ou sem diferenças significativas mas com intervalos de confiança estreitos

•  Revisão sistemática de estudos nível I com resultados homogêneos entre os estudos e consistentes

•  Estudo prospectivo de alta qualidade (todos os pacientes arrolados no mesmo momento da doença, com acompanhamento de 80% ou mais dos pacientes), e o estudo começou antes do arrolamento do primeiro paciente

•  Revisão sistemática de estudos nível I

•  Teste de um critério diagnóstico desenvolvido previamente em pacientes consecutivos (com um teste “padrão ouro” universalmente aceito)

•  Revisão sistemática de estudos nível I

•  Custos sensíveis e alternativas; valores obtidos de vários estudos; com análise múltipla de sensibilidade

•  Revisão sistemática de estudos de nível I

Nível II

•  Estudos clínicos randomizados de mais baixa qualidade: por exemplo, com menos de 80% de acompanhamento ou com randomização inadequada

•  Estudo comparativo prospectivo (estudo começou antes do arrolamento do primeiro paciente, e comparando pacientes tratados de uma maneira com pacientes tratados de outra na mesma instituição)

•  Revisão sistemática de estudos nível I ou II com resultados inconsistentes

•  Estudo retrospectivo

•  Grupo de controles não tratados de um estudo clínico randomizado

•  Estudo prospectivo de menor qualidade (por exemplo, pacientes arrolados em diferentes momentos de sua doença ou com acompanhamento completo de menos que 80% deles)

•  Revisão sistemática de estudos de nível II

•  Desenvolvimento de critérios diagnósticos em pacientes consecutivos (com um “padrão ouro” universalmente aceito)

•  Revisão sistemática de estudos nível II

•  Custos sensíveis e alternativas, valores obtidos de estudos limitados, com análise múltipla de sensibilidade

•  Revisão sistemática de estudos nível II

Nível III

•  Estudo de caso controle baseado em desfecho (pacientes com um desfecho comparados com controles com outro desfecho clínico)

•  Estudo retrospectivo (estudo iniciado após o arrolamento do primeiro paciente) e comparativo (pacientes tratados de uma maneira, comparados com os tratados de outra maneira)

•  Revisão sistemática de estudos nível III

•  Estudo de caso controle

•  Estudo de pacientes não consecutivos, sem um “padrão ouro” aplicado consistentemente

•  Revisão sistemática de estudos nível III

•  Análise baseada em alternativas limitadas e custos; e com estimativas pobres

•  Revisão sistemática de estudos nível III

Nível IV

Séries de casos (pacientes tratados de uma maneira sem comparação com outros)

Série de casos

•  Estudo de caso controle

•  Referência de padrão pobre

•  Estudo sem análise de sensibilidade

Nível V

Opinião do especialista

Opinião de especialista

Opinião de especialista

Opinião de especialista

 

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Revisão sistemática da literatura é um tipo de estudo cada vez mais utilizado atualmente na busca por evidências científicas em medicina. Diferentemente das revisões de literatura simples ou narrativas, a revisão sistemática responde a uma questão formulada especificamente e expõe, a priori, seu método sistemático e predefinido de trabalho.

Assim, enquanto numa revisão de literatura narrativa o autor escolhe os artigos que quer ler e relatar de acordo com critérios subjetivos, pessoais, na revisão sistemática ele tem de estabelecer antes as “regras do jogo”: quais são as bases de dados em que vai buscar publicações, quais são as palavras-chaves utilizadas na pesquisa, quais são as línguas dos artigos incluídos e quais são os critérios de exclusão dos artigos. Tal como num artigo original ou experimental, a revisão sistemática tem, portanto, um capítulo chamado de “métodos” em que justamente o método de pesquisa, coleta de sujeitos (no caso, as publicações) e de análise dos resultados são claramente predefinidos. Assim, mesmo que não resulte em achados úteis, ela pode ser reproduzida, com o mesmo método, algum tempo depois. Além disso, a possibilidade de viés de seleção de artigos se reduz bastante.

Outra característica importante das revisões sistemáticas é que elas podem possibilitar a avaliação quantitativa dos resultados. Assim, quando uma revisão sistemática inclui pelo menos dois artigos, é possível, dentro de determinados critérios de qualidade, reunir os resultados numéricos de todos num pool único. O método estatístico aplicado nesse procedimento é chamado de metanálise. Revisões sistemáticas de literatura que contêm também metanálises são muitas vezes chamadas, simplesmente, de “metanálises”. As metanálises analisam os resultados numéricos de todos os estudos incluídos em conjunto, como se fossem um único estudo com enorme amostra de pacientes.

Revisões sistemáticas e metanálises permitem que a enorme e crescente quantidade de informação em saúde seja transformada em conhecimento com utilidade clínica. As revisões reúnem, organizam, avaliam de forma muito crítica e mensuram quantitativamente os resultados, de maneira que possibilitam a produção de diretrizes clínicas para tomada de decisões na área de saúde, por médicos e administradores, tanto do setor público como do privado.

O Centro Cochrane e a Universidade Federal de São Paulo publicam diversos cursos e manuais sobre a elaboração de revisões sistemáticas e metanálises. Algumas sugestões de textos contendo o passo-a-passo dessa importante tarefa estão listadas abaixo.

 

Para ler mais:

Aula 1. Revisão sistemática com ou sem metanálise. Disponível em: http://www.virtual.epm.br/cursos/metanalise/

conteudo/modulo2/aula1/passos2.htm. Acessado em 7 de abril de 2009.

Castro AA. Revisão sistemática e meta-análise. Disponível em: http://www.metodologia.org/meta1.PDF. Acessado em 7 de abril de 2009.

Castro AA. O que é necessário para fazer uma revisão sistemática. Disponível em: http://www.metodologia.org/lv5_rsl03.PDF. Acessado em 7 de abril de 2009.

Cook DJ, Sackett DL, Spitzer WO. Methodologic guidelines for systematic reviews of randomized control trials in health care from the Potsdam Consultation on Meta-Analysis. J Clin Epidemiol 1995, 48:167-171.

Cook DJ, Mulrow CD, Haynes RB: Systematic reviews: synthesis of best evidence for clinical decisions. Ann Intern Med 1997, 126:376-380.

Imperiale TF. Meta-analysis: when and how. Hepatology 1999, 29:26S-31S.

 

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Como abordado na última Dica do Centro Estudos, é intensa atualmente a discussão a respeito da dificuldade que a área cirúrgica tem de adotar os padrões de qualidade da medicina baseada em evidências na realização de estudos científicos. Postula-se que os estudos de melhor nível de evidência são as revisões sistemáticas e os estudos clínicos randomizados. No entanto, menos de 5% dos artigos publicados em revistas de cirurgia são estudos clínicos randomizados, o que mostra que esse paradigma ainda não foi incorporado à área cirúrgica.

Além das tradições dos grandes centros cirúrgicos e da autoridade dos renomados cirurgiões (que ratificam a publicação de enormes e repetidas séries de casos, baseadas no seu expertise pessoal), da dificuldade em transmitir para o acaso o destino do paciente (na aleatorização, não é o cirurgião quem decide qual tratamento seu paciente receberá, mas o sorteio) e da resistência em receber como certa para o indivíduo a evidência coletada num grupo (em cirurgia, geralmente as populações arroladas para os estudos são heterogêneas), há também algumas outras dificuldades especiais que tornam o assunto um especial desafio. Tem havido, de fato, resistência dos cirurgiões à realização de pesquisas no desenho de estudos clínicos randomizados. As justificativas vão desde a dificuldade da montagem e implementação desses estudos até uma certa oposição à idéia de questionar a própria prática.

Em cirurgia, problemas técnicos específicos do ambiente cirúrgico (instrumentos, próteses, uso de material biológico etc.) ou da variação normal das técnicas entre os indivíduos, ou mesmo a indicação da cirurgia (e portanto a seleção de pacientes para cada estudo) são dificuldades impostas à realização de trabalhos prospectivos, especialmente em ortopedia, mais ainda se forem aleatorizados. Por exemplo: como garantir a ocultação do tratamento designado para o paciente e para o cirurgião ( blindness )? O que pode ser muito fácil com uma pílula placebo, semelhante fisicamente à pílula com medicamento, em cirurgia pode ser impossível.

O momento de iniciar o estudo clínico também é uma questão crucial: em que ponto da curva de aprendizado de uma determinada abordagem cirúrgica se devem iniciar esses estudos? O período de treinamento das técnicas cirúrgicas pode desviar resultados, e está intimamente ligado ao risco, inerente a toda cirurgia, mas maior ainda em cirurgias experimentais — risco ao qual se submete o paciente incluído no estudo.

Além dessas dificuldades, muitas vezes o desfecho que se analisa em cirurgia tem evolução muito lenta (por exemplo, consolidação, recuperação de função, diminuição de taxa de fraturas), o que, aliado à raridade de casos em certas afecções, faz com que rapidamente a intervenção testada se torne obsoleta. Encontrar casos que se encaixem num grupo e controles rigorosamente semelhantes que se encaixem em outro para comparação pode ser realmente trabalhoso para o cirurgião.

O caminho, apontado por especialistas em medicina baseada em evidências, é a realização inicial de revisões sistemáticas sobre o assunto em questão, seguida da implementação de estudos clínicos prospectivos, porém sem randomização, para só então iniciar os estudos clínicos randomizados sobre os assuntos de maior relevância e impacto clínico para a população. Cientes das dificuldades inerentes ao tipo de estudo e à área ortopédica, os cirurgiões podem prever antecipadamente suas soluções, já no momento do projeto.

O consenso geral, no entanto, é de que a área da cirurgia está muito carente de estudos clínicos randomizados, que têm um valor inerente, em termos de evidência científica, não alcançado pelos relatos de séries de casos. Ou seja, ainda que seja complicado implementar esse tipo de estudo, há muitas questões ainda sem resposta em ortopedia, justamente porque as séries de casos não são capazes de respondê-las. Algumas evidências importantes em saúde só poderão ser obtidas com estudos clínicos randomizados. Há que se produzi-los.

 

Para ler mais:

Cook JA. The challenges faced in de design, conduct and analysis of RCTs. Trials 2009;10:9.

Byer A. The practical and ethical defects of surgical randomized prospective trials. J Med Ethics 1983;9:90-3.

McCulloch P, Sasako M, Lovett B, Griffin D. Randomised trials in surgery: problems and possible solutions. BMJ 2002;324:1448-51.

Stirrat GM. Ethics and evidence based surgery. J Med Ethics 2004:30:160-5.

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A prática da medicina tem, nos últimos anos, procurado se basear nas evidências de melhor qualidade que surgem de estudos clínicos “randomizados” e de metanálises. Porém, a realização desses estudos clínicos prospectivos na área da cirurgia é ainda um especial desafio: menos de 5% dos artigos publicados em revistas de cirurgia são estudos clínicos randomizados, o que mostra que esse paradigma ainda não foi incorporado à área cirúrgica.

Enquanto na área farmacológica os estudos clínicos aleatórios são a regra, em cirurgia, ainda prevalece o desenho retrospectivo ¾ a mentalidade é “vamos ver o que tem acontecido”, mais do que “vamos testar o que pode acontecer”. São assim os relatos de casos, os estudos longitudinais comparativos e as grandes séries de casos, de um único cirurgião ou uma única equipe ¾ e todos freqüentemente competindo entre si quanto ao tamanho da casuística.

A publicação desses relatos com freqüência está mais baseada na respeitabilidade do autor no meio do que no rigor da investigação científica ¾ mais facilmente atribuído aos estudos clínicos randomizados. Gerações de cirurgiões são formadas debaixo da tutoria dos grandes especialistas, cuja autoridade é difícil de questionar, e a própria indicação de um procedimento cirúrgico envolve uma mentalidade prática, uma tomada de decisão muitas vezes urgente (para condições agudas) no benefício do paciente, à beira do leito.

Ainda que o desenho do estudo clínico randomizado seja hoje considerado o menos sujeito a vieses e o que promove a produção de evidências de melhor qualidade, há quem defenda a disseminação dessas observações isoladas ¾ os relatos de casos e de séries de casos ¾, mesmo contendo vieses, pois elas podem, no final das contas, inspirar novas idéias de novos estudos… prospectivos. De fato, em cirurgia, a realização de estudos clínicos randomizados a respeito de várias técnicas só ocorreu depois que essas mesmas técnicas já haviam se tornado tradição nos centros, e foram repetidamente relatadas em diferentes locais.

A produção do conhecimento em ciência envolve alguns passos básicos: a idéia, que surge de uma crença ou de uma observação casual, “anedotal”, ou mesmo do desenvolvimento de um pensamento, depois a elaboração da hipótese, o teste dessa hipótese por meio da coleta de dados e sua aplicação na prática. No desenho retrospectivo de estudos, a aplicação da intervenção foi decidida pelo cirurgião, de acordo com seu julgamento do que é o melhor tratamento disponível para seu paciente individualmente, e, pelo menos teoricamente, pelo princípio de não causar dano (non nocere, a não-maleficência).

Já no desenho prospectivo e randomizado, esse mesmo cirurgião perde o poder de designar este ou aquele tratamento para seu paciente específico, e o arrola aleatoriamente para um grupo que poderá obter melhor ou pior resultado. O desígnio do tratamento passa então para as mãos do acaso: tanto um quanto outro grupo terão as mesmas chances de receber o melhor tratamento, seja ele qual for. A escolha não é mais pessoal, do cirurgião, e nem mesmo do paciente, mas do protocolo.

Há quem argumente contra a medicina baseada em evidências postulando que o que é bom para um grupo (frequentemente heterogêneo) de pacientes pode não ser bom para o sr. João da Silva, sentado na sala de espera para que seu médico decida se deve ou não ser operado, com esta ou aquela técnica. Aparentemente, a cirurgia vai precisar dialogar com a medicina baseada em evidências numa via de mão dupla: por um lado, a experiência clínica do cirurgião e seus conhecimentos sobre patofisiologia podem pesar na balança na hora da tomada de decisão. Por outro, o cirurgião precisa estar cada vez mais aberto a questionamentos, impostos pelos estudos clínicos randomizados, a respeito da real eficácia dos procedimentos comparados com placebo, ou comparados com outras modalidades de tratamento (inclusive as não-cirúrgicas). Assim, ao mesmo tempo em que a experiência clínica questiona a medicina baseada em evidências, também as evidências podem ser colocadas no contexto da expertise pessoal.

Quais os motivos das dificuldades de se realizar estudos clínicos randomizados numa área predominantemente cirúrgica como a ortopedia? Confira a abordagem desses problemas na próxima Dica do Centro de Estudos! 

 

Para ler mais:

Cook JA. The challenges faced in de design, conduct and analysis of RCTs. Trials 2009;10:9.

Byer A. The practical and ethical defects of surgical randomized prospective trials. J Med Ethics 1983;9:90-3.

McCulloch P, Sasako M, Lovett B, Griffin D. Randomised trials in surgery: problems and possible solutions. BMJ 2002;324:1448-51.

Stirrat GM. Ethics and evidence based surgery. J Med Ethics 2004:30:160-5.

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Como divulgado na última Dica do Centro de Estudos, existem muitas portas de acesso a resumos de artigos científicos publicados, e algumas vias para se obter os textos completos gratuitamente. Uma destas é o portal ” .periódicos. Capes “, mantido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão do Ministério da Educação.

Professores, alunos, residentes, estagiários e funcionários do Pavilhão Fernandinho Simonsen têm, desde o ano passado, permissão para o uso desse portal para conseguir acesso direto aos artigos completos publicados internacionalmente em mais de 12 mil revistas, 110 só da área de Ortopedia. A partir do Portal Capes, é possível buscar por meio de bases de dados conhecidas, como o Medline, o Lilacs, o Scopus e outras, ou acessando diretamente os nomes das revistas. Ao encontrar um artigo de uma revista que compõe o acervo do Portal Capes, é possível baixá-lo na íntegra gratuitamente.

O acesso é possível a partir de computadores, ligados à internet, que estejam localizados no ambiente do Hospital Central e da Faculdade de Ciências Médicas da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia (SCMSP). Os computadores que têm acesso ao Portal Capes são os que estão na rede da Santa Casa (e têm servidores da Santa Casa como provedores de acesso à internet). Computadores pessoais (desktops ou laptops) cujos números de identificação (IP) não forem cadastrados como sendo de propriedade da Santa Casa não terão acesso. Ao tentar o acesso ao Portal Capes de computadores não cadastrados, aparecerá uma mensagem na tela dizendo que o número IP da máquina não é reconhecido.

Como não é possível oferecer o serviço para todos (ou seja, cadastrar todos os IPs de todos os computadores de todo o pessoal), o acesso ao Portal Capes está disponível a partir da sala do Centro de Estudos Waldemar de Carvalho Pinto Filho, no Pavilhão. Além disso, professores e alunos da Faculdade podem obter uma senha para acesso remoto, a distância, a qualquer hora do dia, junto à Biblioteca e à Central de Processamento de Dados (CPD) da Faculdade.

Se o acesso ao Portal Capes estiver difícil, esclarecimentos podem ser obtidos junto às bibliotecárias da Biblioteca da Faculdade ou junto à CPD. Os contatos estão abaixo. Boa pesquisa!

 

Portal.periódicos.Capes:

http://www.periodicos.capes.gov.br/portugues/index.jsp

 

Biblioteca da Faculdade: 

3367.7736 ou 3367.7735 ou 3367.7737

 

E-mail: 

sonia.arevalo@fcmscsp.edu.br 

sadia.mustafa@fcmscsp.edu.br

 

CPD da Faculdade: 

3367.7819 ou 3367.7821

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A redação de qualquer artigo científico começa por uma boa pesquisa bibliográfica, seja para texto de revisão ou relatório de pesquisa original. Atualmente, há muitas bases de dados eletrônicas de indexação (catalogação) de resumos de trabalhos científicos publicados no mundo todo. As mais conhecidas pelo pessoal da área saúde são o Medline, o Lilacs, o SciELO (no Brasil), mas há ainda várias outras de importância na medicina, como a Scopus ou a Web of Science por exemplo. Todas elas dão acesso aos resumos (abstracts) dos trabalhos. (No final deste texto, listamos algumas, com seus endereços eletrônicos, para fácil coleta de resumos de trabalhos científicos.)

Mas, dentre todos os resumos recuperados numa dada pesquisa, como ter acesso ao texto completo daqueles que realmente interessam? Existem alguns caminhos. O mais rápido, porém mais caro, é solicitar a compra do artigo avulso diretamente à editora da revista que o publicou. A grande maioria das revistas indexadas hoje e publicadas por grandes editoras (como Elsevier, Blackwell e outras) vende os textos individualmente (a The Knee, por exemplo, oferece um artigo por U$ 31,50). Outras comercializam apenas assinaturas individualmente (a da Arthroscopy, por exemplo, custa U$ 627). Para quem está em programa de mestrado ou doutorado ou mesmo realizando revisões sistemáticas, os valores podem ser proibitivos. Esperar seis meses a um ano para ter acesso ao documento gratuitamente (algumas editoras liberam o uso algum tempo após a publicação) também pode atrapalhar bastante as pesquisas.

Porém há a possibilidade de se obter gratuitamente, e na data da publicação, os textos completos dos artigos de diversos periódicos. A primeira porta de acesso aos chamados ” free full texts ” são justamente as bases de dados que contemplam as revistas de acesso aberto (” open access “), que têm o fornecimento de textos gratuitamente como política editorial. Abaixo está uma listagem de algumas delas, como o Directory of Open Access Journals ou o mais conhecido, latinoamericano, SciELO. Essas bases de dados têm seu conteúdo inteiramente gratuito, por princípio. Pesquisar dentro delas significa ter acesso a todos os artigos dos periódicos listados.

Além das bases já abertas a priori , há outros portais (como o conhecidíssimo Pubmed, que dá acesso ao Medline e a outras bases menores) que mostram quais artigos estão disponíveis gratuitamente ( free full text ) e quais estão sujeitos a assinatura ou compra. Pesquisar nessas bases mais amplas permite recuperar mais resumos. Como nem todos estão disponíveis gratuitamente, uma solução possível é consultar as bibliotecas locais das universidades (como a Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo) para verificar se os periódicos estão assinados por elas e disponíveis para consulta, no formato impresso ou eletrônico. No entanto, isso exige visita pessoal à biblioteca.

Uma segunda opção, que dispensa a visita à biblioteca local, é a Bireme (Biblioteca Virtual em Saúde), que mantém há vários anos um serviço de fotocópias de artigos científicos disponível para brasileiros. Funciona assim: se o texto desejado foi publicado em periódico que consta do acervo das bibliotecas da rede, o sistema SCAD (Serviço Cooperativo de Acesso a Documentos) providencia uma cópia do texto (como xerox impresso ou digitalização da imagem da página, em formato pdf) e o envia ao usuário individual, por correio, fax ou e-mail. Além de uma taxa de inscrição de R$ 25,00, inicial, são cobrados de R$ 8,00 a R$ 24,00 por texto de até 20 páginas, dependendo da urgência do pedido e da forma de envio. A cobrança é feita por boleto bancário, mensalmente.

O terceiro caminho, bem mais prático, é usar o Portal Capes de periódicos (chamado “.periódicos. Capes”), que é uma base de acesso a textos completos financiada por assinaturas das instituições de ensino, entre elas a Santa Casa. Na próxima Dica do Centro de Estudos, vamos mostrar como utilizar esse importante e prático canal de coleta de artigos, a que todos os professores, alunos, residentes, estagiários e funcionários do Pavilhão Fernandinho Simonsen podem ter acesso por meio de computadores cadastrados. Aguarde a divulgação do próximo texto!

 

Bases de dados para pesquisa de resumos:

Bireme : http://www.bireme.br/php/index.php

Permite a busca em diversas bases de dados ao mesmo tempo. Por exemplo: com uma mesma palavra-chave, é possível encontrar resumos nas bases Medline, Lilacs, SciELO, Biblioteca Cochrane e outras. Recupera resumos, alguns dos quais com acesso aberto ao texto completo.

Pubmed : http://www.pubmed.com

Permite acesso à base de dados Medline e a artigos adicionais, publicados pela base PubMedCentral (a maior parte desta com acesso a artigos completos gratuitos) e a artigos cuja publicação precede a indexação do periódico no Medline, ou seja, trata-se de uma via de acesso a uma base mais ampla que a do Medline em si, incluindo bancos taxonômicos e genéticos.

 

Bases de acesso a artigos completos:

Directory of Open Access Journals: http://www.doaj.org/doaj?func=subject&cpid=20

A base contém mais de 3.800 periódicos que fornecem acesso gratuito a artigos, com o objetivo de aumentar a visibilidade da pesquisa científica, e cresce continuamente. O Brasil é o segundo maior usuário do mundo e o segundo que mais adicionou periódicos à base, perdendo apenas para os Estados Unidos. Na área de ciências da saúde, são 466 revistas, sendo 283 de medicina geral e 119 de saúde pública. Há 12 periódicos abertos de medicina esportiva e 58 de cirurgia, incluindo cirurgia ortopédica.

BioMed Central: http://www.biomedcentral.com/info/libraries/oajournals

A base se liga a periódicos com acesso aberto aos artigos. Atualmente, oferece quatro periódicos de diagnóstico por imagem, 10 sobre desordens musculoesqueléticas, mais de 20 de saúde pública, 12 de cirurgia, incluindo alguns de ortopedia.

Free Medical Journals: http://freemedicaljournals.com/

Esta base dá acesso a 430 periódicos somente da área médica, com oito de ortopedia incluídos. Também promete acesso a livros, uns poucos de ortopedia.

SciELO : http://www.scielo.br

A mais conhecida base de open access journals pelos brasileiros é apoiada pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e mantido pela Bireme (Centro Latinoamericano e Caribenho de Informações em Ciências da Saúde). Dá acesso a mais de 600 periódicos, sendo 221 da área de saúde. Tem também um sistema interno de cálculo de fator de impacto dos artigos e dos periódicos.

 

Fotocópias de artigos

SCAD: http://scad.bvs.br/php/index.php

O Serviço Cooperativo de Acesso a Documentos envia para o usuário por e-mail, fax ou correio comum fotocópias ou digitalizações de artigos científicos presentes nos acervos das bibliotecas da rede Bireme. Há uma tabela de preços disponível no site e a cobrança é feita por boleto. A busca dos artigos deve ser feita pelo sistema da Bireme (www.bireme.br), e ao lado de cada resumo um link para o SCAD facilita o pedido.

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Na última Dica do Centro de Estudos, expusemos quais são os critérios objetivos que definem autoria de textos científicos atualmente. Como vimos, o autor de um trabalho científico precisa ter feito contribuições significativas para o design ou concepção inicial da pesquisa ou coleta de dados ou análise e interpretação dos resultados; precisa ter redigido ou revisado o manuscrito e precisa ter dado aprovação final da versão a ser publicada. Mas como se enquadram os profissionais e as instituições que fizeram contribuições essenciais para o trabalho e que não são autores?

Em muitas universidades e centros de pesquisa, as pesquisas não podem ser realizadas sem financiamento, sem orientações técnicas específicas ou sem pacientes, por exemplo. Então como fica aquele médico que operou os doentes com a nova técnica cirúrgica que está sendo estudada? E o estatístico, que calculou o tamanho da amostra e “rodou” a análise? E aquela empresa que forneceu o equipamento de tomografia para exame dos pacientes, ou a outra que forneceu as próteses? A resposta é: apesar de terem contribuído significativamente para a realização do trabalho (ao ponto de que o estudo não se realizaria sem eles), essas pessoas e instituições não se responsabilizam pelos resultados, pela análise, pela versão final do texto, e geralmente não participaram da concepção do estudo. Portanto, não são autoras. Devem, sim, receber agradecimentos.

Agradecimentos são expostos como um ou dois parágrafos curtos, nos quais os autores detalham as pessoas e instituições que auxiliaram na realização do estudo. Geralmente, esses ” acknowledgements ” figuram na primeira página do artigo, algumas vezes no final, mas com destaque. Não fazem parte do resumo do trabalho (abstract), mas ficam evidentes para o leitor do texto completo. Exemplos:

“Os autores agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) pelo financiamento do trabalho por meio da bolsa de estudos número XXXXX.”

“Os autores agradecem à Bayer pelo fornecimento dos medicamentos testados.”

“Agradecemos à General Eletric pelo fornecimento do equipamento de imagem utilizado nos exames dos pacientes”.

“Os autores reconhecem e agradecem imensamente a revisão crítica do texto pelo professor Fulano de Tal.”

“Os autores agradecem a Beltrano pela orientação na análise dos marcadores genéticos e ao Laboratório X pela cessão dos equipamentos de biologia molecular utilizados no trabalho”.

Agradecimentos são uma maneira ética e bem aceita de reconhecer contribuições sem violar os critérios já bem estabelecidos de autoria de trabalhos científicos. Ninguém precisa ficar de fora. Basta apenas que a participação de cada um seja exposta da maneira considerada correta pela maioria das revistas biomédicas.

 

Para ler mais:

http://www.icmje.org

http://publicationethics.org/code-conduct

http://www3.aaos.org/member/profcomp/research.pdf

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Como comentamos na última Dica do Centro de Estudos, muita dúvida tem surgido a respeito de quem pode e quem não pode (ou não deve) figurar num artigo científico como autor. Os critérios que definem autoria atualmente são objetivos e foram criados pelas revistas científicas internacionais, muitas delas reunidas em torno do Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas (ICMJE). Eles servem para colocar limites na definição da autoria de pesquisas científicas, de maneira que os autores das publicações possam e devam se responsabilizar por elas.

Responsabilidade é, realmente, a principal chave da compreensão dos critérios de autoria (“Authorship criteria”) de manuscritos da área biomédica: a primeira exigência para que um profissional possa assinar um artigo é a resposta à pergunta: “você se responsabiliza pelos métodos e pelos resultados do trabalho que está apresentando?” Ou seja, aquele proponente a autor estaria disposto a responder legalmente por qualquer questionamento ético, técnico ou científico a respeito daquele trabalho? Se a resposta for “não” ou “não sei”, provavelmente é porque o autor não participou do planejamento da pesquisa, da escolha dos métodos adequados para a coleta de dados, não se envolveu com a análise das informações colhidas e sua interpretação e, portanto, não pode mesmo estar seguro de que teve tudo sob controle, tudo debaixo de seu olhar vigilante, tudo de acordo com o que considera adequado.

As orientações do ICMJE estão alinhadas com as do Comitê de Ética em Publicações (COPE) aos quais a maioria das grandes revistas é afiliada atualmente. Além disso, também a Associação Americana de Cirurgiões Ortopedistas (AAOS) estabelece padrões obrigatórios a respeito da responsabilidade sobre pesquisas científicas. O princípio comum a todas elas é de que alguém só pode dizer-se autor de um trabalho para o qual tenha feito “significativas contribuições”. Quais contribuições são as mínimas necessárias?

Autores de trabalhos científicos publicados em revisas biomédicas precisam ter participado de três atividades (e obrigatoriamente todas as três) para terem direito a assinar o texto:

1) design ou concepção inicial da pesquisa ou coleta de dados ou análise e interpretação dos resultados;

2) redação do manuscrito ou sua revisão crítica

3) aprovação final da versão a ser publicada.

Isso quer dizer que todo autor tem de necessariamente ter revisto a versão final e dado sua aprovação (o que representa uma maneira de se responsabilizar pela pesquisa). Todo autor precisa ter ajudado a escrever ou revisado criticamente o trabalho (melhor se for as duas coisas). E todo autor tem que ter participado ou do desenho (planejamento) do estudo, ou da coleta de dados ou da análise dos dados (estatística ou interpretativa).

Exemplo: se um pesquisador planejou o trabalho e teve colaboração de outros para coletar os dados, depois precisa redigir ou revisar o texto e dar aprovação final. Se outro pesquisador trabalhou apenas na coleta de dados de um trabalho, sem ter participado da sua concepção, mas redigiu e revisou a versão final, também pode ser considerado autor. Mas se apenas ajudou a planejar e depois nunca mais pôs olhos no texto a ser publicado, não pode se responsabilizar por ele. Portanto, não pode assinar. Se não planejou, não trabalhou na aquisição dos dados nem na interpretação deles (seu significado clínico, por exemplo), não pode ser autor, mesmo que tenha revisado a versão final de um texto que outros produziram.

Médicos que forneceram dados de pacientes com determinadas afecções para estudo, cirurgiões que operaram os sujeitos de uma pesquisa, técnicos que ofereceram orientações para análises (por exemplo, moleculares, estatísticas, linguísticas) não são autores (a menos que também se enquadrem nos critérios de autoria acima). Porém, situações em que a autoria não se justifica não precisam ser necessariamente casos de falta de reconhecimento: pessoas ou instituições que colaboraram indiretamente ou com apenas parte da pesquisa podem e devem receber agradecimentos, tema de nossa próxima Dica do Centro de Estudos.

 

Para ler mais:

http://www.icmje.org

http://publicationethics.org/code-conduct

http://www3.aaos.org/member/profcomp/research.pdf

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Muita dúvida tem surgido no Pavilhão Fernandinho Simonsen a respeito de quem pode e quem não pode assinar um artigo científico como autor. Quando um texto é preparado para publicação, quais critérios podemos utilizar para determinar quem participou da pesquisa e de que maneira, para estabelecer a lista de co-autores? Existem critérios objetivos?

Sim, existem. E eles foram criados internacionalmente pelas revistas científicas, muitas delas reunidas em torno do Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas (ICMJE). O Comitê criou e estabeleceu esses critérios (“Authorship criteria”) porque, nos últimos anos, docentes afiliados às universidades têm sofrido grande pressão para dedicar-se não apenas ao ensino (na graduação e na pós-graduação), mas também à pesquisa, e a métrica, nesse contexto, é o número de publicações: o desempenho profissional de um professor ou pesquisador é, na maior parte, medido pela sua capacidade de publicar. Um dos resultados desse movimento é a maior geração de conhecimento, o que é benéfico para o mundo todo. Mas, por outro lado, outra conseqüência é que têm surgido certos desvios da definição de autor. Daí a reação das revistas.

É bem registrado em diversos editoriais já publicados que muita gente que assina artigos em revistas biomédicas sequer tinha conhecimento do andamento das pesquisas em seus serviços: assinaram por conveniência, por gentileza do autor principal ou por praxe nas universidades. Bem… a “praxe”, atualmente, tende a mudar, porque os melhores periódicos internacionais já definiram o que é um autor. Além disso, muitos (inclusive da área de Ortopedia) estão exigindo descrições formais e assinadas por todos os autores de quais foram suas contribuições ou participação na pesquisa que gerou o manuscrito. Os autores relatam ali se coletaram dados, se atuaram na concepção do projeto, se revisaram o texto, tudo. Esses documentos são arquivados pelas editoras e têm valor legal para o caso de a autoria ser questionada em algum momento.

Nos próximos textos das Dicas do Centro de Estudos, vamos explicar detalhadamente, afinal, quais são os critérios já estabelecidos pelo ICMJE e o que tem sido exigido pelas principais revistas internacionais em Ortopedia, como a Arthroscopy, a Clinical Orthopaedics and Related Research, a Knee, a Spine e várias outras, mesmo as que não são afiliadas ao ICMJE. Importante guardar para o momento é que, independentemente de qualquer discussão ética que se possa fazer a respeito (e podem-se fazer muitas, intermináveis), os critérios atuais existem, sim, e são objetivos (não são baseados em considerações ou “achismos”). São, de fato, exigência dos periódicos onde desejamos publicar.